Afundado em crises, Corinthians corre risco de ‘cruzeirar’ já em 2020

O Corinthians começou a temporada 2020 com o objetivo de alteraro estilo de jogo defensivo implementado desde 2008 com Mano Menezes para uma proposta mais ofensiva. O escolhido foi Tiago Nunes, campeão da Sul-Americana de 2018 e da Copa do Brasil de 2019 pelo Athletico Paranaense.

Já em fevereiro, a equipe foi eliminada na pré-Libertadores pelo Guaraní, do Paraguai, em plena Neo Química Arena (à época, Arena Corinthians). Fora do mata-mata do Paulistão antes da parada pelo coronavírus, o time se classificou na ‘bacia das almas’ após a retomada em julho e chegou à final, perdendo o título para o arquirrival Palmeiras.

No Brasileirão, começou a oscilar, inclusive ao longo das partidas. Após uma nova derrota para o Palmeiras, Tiago Nunes não resistiu no cargo e foi demitido. Porém, para muito além das escolhas do treinador, o Corinthians tem problemas estruturais que o aproxima de um fracasso brasileiro: o Cruzeiro.

Tais semelhanças geram a questão: o Corinthians pode ‘cruzeirar’ já em 2020?

Por que ‘cruzeirar’?

Apesar de não ser uma palavra oficialmente reconhecida pelos dicionários brasileiros, ‘cruzeirar’ virou verbo importante no cenário futebolístico.O termo faz referência ao Cruzeiro. Ainda enquanto presidente, Itair Machado foi acusado de condutas indevidas à frente do clube, como gastos impróprios, desvios e dopping esportivo. Durante anos, o mandatário teria ‘inflado’ o time com jogadores caros que o Cruzeiro não poderia pagar. Apesar do bi da Copa do Brasil (2017-2018), a conta chegou.

Após um bom início de ano, depois dos estouros dos escândalos da diretoria, o Cruzeiro logo parou de ‘dar liga’. Já no Brasileirão, a equipe perdeu uma série de jogos até se colocar de vez na luta contra o rebaixamento. Os esforços não surtiram efeito e o time caiu para Série B, onde também passa por sufoco durante a temporada de 2020.

Assim, o termo ‘cruzeirar’ não significa apenas cair de rendimento, mas sim criar um ambiente desorganizado e suficientemente corruptível para derrubar um clube grande. Para ‘cruzeirar’, é preciso que a administração cuide de maneira trágica das finanças do clube e perpetue esquemas prejudiciais para a saúde de gerenciamento da equipe.

O Corinthians e o Cruzeiro

De acordo com o site de estatísticas Infogol, a comparação entre os números do Cruzeiro ao fim do Campeonato Brasileiro de 2019 e do Corinthians em 2020 assustão torcedor alvinegro. Nas 38 rodadas, os celestes venceram 18%, empataram 39% e perderam 42%. Já o Timão, ao fim da 11ª rodada, ainda com um jogo a menos, venceu 30%, empatou 30% e perdeu 40%. A vitória na Neo Química Arena por 3×2 contra o Bahia trouxe um respiro ao torcedor, mas não convenceu.

Ainda está muito no início do Campeonato Brasileiro para prever um mesmo fim para o Corinthians, e o time, numericamente, pode até brigar pelo título caso engrene uma boa sequência de vitórias. O grande problema é que a proximidade entre as duas campanhas não está só nos resultados, mas também em todas as confusões externas ao campo.
Durante a sua trajetória para a queda, o Cruzeiro apresentou um monte de ‘sinais da tragédia’, escancarado por uma série de crises. A questão é que esses problemas também aparecem no Corinthians; são eles:

Problemas financeiros

O Corinthians fechou o ano de 2019 com um déficit contábil de cerca de R$ 177 milhões. De acordo com as próprias demonstrações financeiras do clube, os principais culpados foram a falta de arrecadação com TV, o elevado número de aquisição de atletas e o baixo valor arrecadado com vendas de jogadores. Segundo o jornalista Rodrigo Capelo, as dívidas totais ao final de 2019 estavam próximas dos R$ 700 milhões. Além disso, o problema parece maior com a comparação entre dívida e receita:

Fonte: Globo Esporte.com

Nesse montante de dívidas não se insere a Neo Química Arena, outro grande ‘abacaxi’ para o Corinthians. Não há transparência sobre os números, mas estima-se uma dívida próxima de R$ 1 bilhão. A venda recente dos naming rights para a Hypera Pharma trará cerca de R$ 300 milhões para o pagamento de parcelas, e o presidente Andrés Sanchez ainda promete acordos com a Caixa e com a Odebrecht.

Segundo o balanço financeiro do Cruzeiro, o clube ultrapassou os R$ 300 milhões em déficit no ‘trágico’ ano de 2019. A dívida total está próxima de R$ 1 bilhão. A expectativa para o 2020 do Corinthians é algo parecido, já que o clube pode atingir os R$ 900 milhões de dívidas, mesmo com um balanço positivo no primeiro semestre do ano.

Desconfiança quanto à diretoria

O ano de 2019 ficou marcado para o Cruzeiro por uma série de denúncias a Itair Machado, o então presidente do clube mineiro. Além de gastar muito mais do que podia, o mandatário deu calotes em contratações, atrasou salários dos jogadores e foi acusado de usar dinheiro do clube para compras pessoais.

O Corinthians não chega a esse nível de ‘desgraça’, mas às vésperas da eleição, o clima não é nada favorável. O presidente Andrés Sanchez não conta mais com a simpatia de boa parte da torcida. Internamente, a questão da aprovação das contas de 2019 foi travada pelo Conselho, que alega um aumento de mais de R$ 20 milhões no montante do déficit.

Grupos de oposição chegaram, inclusive, a entrar com pedidos de impeachment contra Andrés na Justiça comum. O ‘chumbo’, então, vem de diferentes lados, já que conselheiros, torcedores e jornalistas acusam a gestão de Sanchez de ser a principal culpada pela fase ruim do Corinthians em 2020.

Jogadores vs torcida

Após a derrota contra o Palmeiras por 2×0 pelo Brasileirão, em setembro de 2020, organizadas do Corinthians oficializaram a ‘guerra’ contra a equipe alvinegra. Acusando os atletas de fazerem ‘corpo mole’ dentro de campo, a torcida intensificou as cobranças. No domingo, 13 de setembro, após derrota para o Fluminense, membros uniformizados partiram para cima dos atletas. Não foram registradas agressões físicas, mas a postura desagradou bastante o grupo, que se sente ameaçado.

A revolta da torcida pode gerar consequências graves dentro e fora de campo, como uma queda ainda maior de rendimento e rescisões unilaterais de contratos. O Cruzeiro passou por momentos bem tumultuados em 2019, com oposição clara entre torcedores e atletas como Thiago Neves. O clima quente culminou na degradação do Mineirão após a derrota para o Palmeiras que sacramentou o descenso para a segunda divisão do Brasileiro.

Falta de perspectiva

Um problema congênito para ambas as equipes é a falta de perspectiva. Com a pandemia de coronavírus e a crise financeira, os clubes têm ainda menos opções para aumentarem o faturamento, o que deve dificultar a contratação de grandes jogadores para os plantéis.

No Corinthians, a proximidade da eleição deixa a situação política complicada. O grupo de Andrés Sanchez tenta a perpetuação do poder com o candidato Duílio Monteiro Alves. Já a oposição, traz nomes como Herói Vicente e Mário Gobbi, presidente do clube à época de suas maiores conquistas: a Libertadores e o Mundial de 2012.
As dívidas, tanto da Neo Química Arena quanto do setor de futebol do clube minam a busca por contratações caras e por pagamento de altos salários, o que diminui o poder de talentos da equipe. Sendo assim, o planejamento mais necessário para os próximos anos do Corinthians seria reestruturar a casa, gastar menos e sanar as dívidas.

O Corinthians irá cruzeirar?

Apesar dos problemas esportivos, judiciais e financeiros, o Corinthians ainda está longe de se tornar um escândalo tão grande como foi o Cruzeiro em 2019. A diretoria de Andrés Sanchez acumula críticas sobre negociações e empilha dívidas, porém, não há provas concretas de desvios de dinheiro ou de condutas indevidas, como aconteceu no clube mineiro.

Além disso, a arrecadação do Corinthians é muito maior do que a do Cruzeiro. Considerada a segunda maior torcida do Brasil, o Timão tem o apoio de mais de 20 milhões de torcedores, o que dá um poder de abrangência a marcas e à TV muito desproporcional em comparação com outros clubes.

Fato é que a desorganização financeira e estrutural, jogada para debaixo do tapete nos títulos do BR-17 e do tri-paulista (2017-18-19), começou a dar as caras em 2020. Os erros no planejamento e a falta de contratações assertivas cobraram o seu preço e colocaram em campo um time que não consegue trazer confiança para sua torcida.

Portanto, o Corinthians corre o risco de ‘cruzeirar’ ainda em 2020, porém, conta com um bote salva-vidas muito maior do que o do Cruzeiro, e pode se agarrar a ele. Os jogadores da base tendem a ser fundamentais em uma retomada do Timão, assumindo a responsabilidade no elenco e eliminando a necessidade de contratações caras.

Fora de campo, as eleições de novembro de 2020 ditarão os rumos do Corinthians para os próximos anos, indicando se o time se afundará ainda mais na obscuridade da gestão ou se terá algum respiro financeiro para se manter na briga por títulos nas temporadas que estão por vir.